Olá Crespas, hoje iniciaremos uma série de postagens falando sobre a
importância de dissociar a ideia do cabelo crespo ser só mais um acessório fashion ou algo para pessoas com ligadas às artes, mídias e afins. Afinal, quem nunca ouviu frases como: "Nossa, como você é estilosa?" "Black power tá na moda, né?" "Você é atriz? Modelo? Cantora?". Diversas vezes algumas meninas já elogiaram meu cabelo e disseram que não são tão "estilosas" quanto eu e por isso não voltam para o natural, mas quando uma mulher com cabelo liso usa natural e não é tão ligada ao estilo soa mais normal?
A grande questão é entender que o seu cabelo faz parte de quem você é, então é impossível isso representar apenas um estilo ou uma tendência, pois estas mesmas passam. Hoje, o cabelo crespo está realmente sendo mais incorporado, no entanto a falta de aceitação do uso do natural ainda é esmagadora, principalmente em ambientes profissionais. Muitas vezes a questão da negação do cabelo crespo está profundamente relacionada com a vergonha de se apresentar diante de uma sociedade que marginaliza o cabelo do negro. A constante omissão do cabelo crespo se apresenta quando é necessário ir à uma entrevista de emprego ou uma festa social, por exemplo.
Vamos entender o símbolo do cabelo crespo em outras culturas. Com a palavra, Fabíola Oliveira (Coordenadora do Grupo de Trabalho Histórico-político do Meninas Black Power, criadora da grife Colares D’Odarah):
"Em termos culturais, trazemos dois dados - dentre os infinitos aspectos dos simbolismos culturais africanos - que entendemos como relevantes para o entendimento da vergonha dos cabelos crespos:
1- Em África, quando um guerreiro era abatido por seu opositor, recebia como punição, dentre tantas, o corte de seus cabelos, uma vez que essa atitude era a pior humilhação que poderia ser passada por um homem. Nos cabelos se concentrava todo um caráter simbólico,.como por exemplo se identificava pelos tipos de cabelos e penteados o papel social que aquele homem desempenhava - se era militar/guerreiro, se era nobre, se era burocrata. Os cabelos, penteados com tranças, denunciavam qual 'classe social' aquele homem pertencia. Quando seus cabelos eram arrancados, esse homem perdia a identidade, por isso tamanha a humilhação.
2- Nas religiões de matriz africana, para o sujeito passar pelo ritual de iniciação, ele precisa ter sua cabeça raspada, ou seja, seus cabelos cortados, como sinal de reverência total às divindades. O cabelo é ofertado como presente por ser a parte do corpo mais valiosa e sensível de uma pessoa; aquela que capta todas as energias do ambiente.
Percebem a importância dos nossos cabelos? Por isso, ressignificaram negativamente essas noções culturais e continuam nos humilhando fazendo com que nossos homens pretos raspem a cabeça em sinal de higiene e respeitabilidade; fazem com que nossas mulheres pretas alisem a 'vergonha' do volume. Nos humilham diariamente.
Vamos engrossar uma campanha em favor da valorização do uso dos nossos cabelos crespos não só pelo ponto de vista estético, mas pelo político-ideológico. Essa valorização da nossa ancestralidade real e majestosa é a cara das Meninas Black Power que, para além da estética, lutam pela emancipação política do povo preto. Tornemos esse movimento legítimo através de nossa adesão. Estejamos juntas, nós por nós!"
Compreender que o seu crespo está intimamente ligado à sua identidade negra faz com que você consiga ter segurança e convicção. Assim, quando a tendência acabar, você continuará firme no seu posicionamento em relação ao uso do cabelo crespo.
Perguntei para algumas crespas como se relacionam com o estilo e o crespo:
"...Dizem que cabelo é a moldura do rosto. Para mim vai muito mais além: é minha identidade, é meu estilo, minha marca registrada. Nossa, foi a melhor coisa que fiz foi me reassumir! Hoje eu me acho linda de qualquer jeito, com qualquer roupa por mais simples que ela seja, o cabelo dá um UP. Saio tranquilamente sem maquiagem, sem brinco, me sinto poderosa do mesmo jeito. Se assumam meninas e sintam o poder que o black power te dá!" (Leticia Martins, estagiária de Marketing - blogueira do PretaPretinhaBlog)
"Meu cabelo é a minha identidade. A partir do momento em que assumi o meu cabelo crespo e passei a amá-lo do jeito que ele realmente é, descobri o meu verdadeiro eu. A vontade de zelar, enfeitar, e fazer diversos penteados surge naturalmente, pois trata-se de um cabelo de 1001 possibilidades: o que na maioria das vezes é visto apenas como estilo. Engana-se quem tem esse pensamento, pois creio que o cabelo crespo vai muito além disso, antes de tudo significa: liberdade, força e luta.” (Loana Novaes do Meninas Black Power, mãe e dona de casa)
“É com tristeza e pesar que escrevo este pequeno depoimento. Não, não... Ninguém da minha família morreu. Porém, uma parte de mim vem "sendo morta" a cada dia... Sou estudante de economia. E a minha futura profissão exige - digamos assim - um visual mais ‘formal’. Um cabelo mais ‘asseado’; mais ‘clean’... É com esse tipo de comentário que preciso me deparar todos os dias. As pessoas não avaliam a minha competência, o meu currículo, mas sim a minha aparência. Ainda assim, com todas as dificuldades, vou manter a minha posição para que mais crespas, economistas ou não, possam ter a liberdade de usar seus cabelos como quiserem, sem serem ‘zoadas’ ou discriminadas.” (Ingrid da Matta – Estudante de economia e Menina Black Power)
Assim como as meninas, conte sua história para nós, como e ajude outras crespas. E e lembre-se: Crespo não é só estilo, crespo é identidade.